Tem gente que acha que viver em nome da cultura rockabilly é infantilidade ou às vezes loucura. Mas o que dizer quando uma cidade inteira vive sob a estética e, principalmente, sob os bons hábitos dos anos dourados? Essa matéria que se segue saiu da revista Marie Claire, edição de setembro.
A caráter Ulrika Dotzsky e sua filha, Fanny Bergman, a caminho do show da banda Little Andrew and the Rhythm Boys
Enviken é uma aldeia no meio de uma grande floresta na região central da Suécia. Tem pouco mais de 1.750 habitantes e é bem simpática, com casinhas perfeitas, pintadas de vermelho “falu”, a tinta originária dos resíduos da mineração de cobre em Falun, outra pequena cidade a 30 km de distância dali. Fora isso, um posto de gasolina, um pequeno café e uma linda igreja antiga, também pintada de vermelho.
Assim, Enviken é, certamente, o tipo de lugar pelo qual você apenas passaria. Mas há algo interessante lá. Na verdade, há algo único. Pois não existe outro lugar na Suécia e, provavelmente, no mundo, onde os moradores sejam tão apaixonados pela década de 1950. Isso inclui incorporar a seu dia a dia o estilo rockabilly, as músicas, as roupas, os carrões. A ponto de parecerem realmente viver na metade do século passado.
Casal vintage Viktor Vikstrom, da banda rockabilly Little Andrew and the Rhythm Boys, e sua namorada, Fanny Bergman
As noites de sexta-feira são especiais na cidadezinha. É nesse dia, principalmente, que se pode ouvir o ruído dos motores dos antigos carros e sentir o cheiro da brilhantina. “Enviken parece Memphis!”, diz Thomas Jacobs, um grande fã do rockabilly. Ele refere-se à capital do estado do Tennessee, nos Estados Unidos, onde Elvis Presley construiu a mansão “Graceland”, sua residência por quase 30 anos. Jacobs está sentado no restaurante da Björkans, a única pousada do povoado, e espera para assistir ao show do cantor Ray Campi. Esse americano de 75 anos é considerado mundialmente o rei do rockabilly e (ainda) tem como uma de suas marcas registradas “pular” sobre seu baixo enquanto canta. Embora seja uma celebridade quando se trata de anos dourados, Campi foi até a distante Escandinávia tocar para essa pequena, mas seletíssima, plateia. Nessa noite, a atração internacional reúne um público na faixa dos 40 anos, orgulhoso de seus suspensórios, jeans, camisas de manga curta, sapatos de bico fino e topetes com muita brilhantina — ou, como se dizia nos anos 50, o suficiente “para manchar o travesseiro da namorada”. Enquanto o show acontece lá dentro, carros como um Lincoln turquesa, ícone daquela época, estão estacionados lá fora.
Antes do palco Os meninos da banda Little Andrew e Fanny Bergman, namorada de um deles, esperam a hora de se apresentar
O começo de tudo
Em meados dos anos 80, quando a música e a moda dos anos 50 passaram por um flashback mundial, a onda rockabilly também ganhou força em Enviken. A principal responsável por isso foi a banda Ryno Rockers, um grupo do povoado que começou a fazer sucesso por todo o país. Depois de se apresentar num canal de TV, a banda passou também a fazer shows em outras cidades da Suécia. Assim, logo tornou-se moda na cidadezinha vestir roupas dos anos 50, comprar carros americanos antigos e fazer festas ao som de bandas rockabilly nos fins de semana — hoje existe até um selo de música dos anos dourados em Enviken. Além do sucesso da Ryno Rockers no passado, recentemente outro fator potencializou esse fenômeno “volta no tempo”: o renascimento da cultura pop dos anos 50 na Suécia foi reforçado pelo sucesso no país da série americana Mad men, que retrata a sociedade e a cultura daquela época.
Cenário Abaixo: Ulrika Dotzsky, em frente da sua casa, na pequena Envinken.
As noites de sexta são especiais na cidade: ‘Enviken parece Memphis’ — Thomas Jacobs
A “mania” anos 50 já chegou à segunda geração. “Tenho participado de eventos desde que tinha 1 ano de idade e assistia a tudo sentado em uma cadeirinha”, diz Andreas Östlund, vocalista da Little Andrew and the Rhythm Boys. A banda é formada por outros quatro adolescentes que cantam exatamente como se fazia há 60 anos, quando o rockabilly ainda era novidade e Elvis Presley gravava That’s all right, mama no Sun Studios, em Memphis. Little Andrew e sua banda, que é produzida por Lasse Jonsson, um músico de 50 anos e também o sacristão da igreja local, dão duro para gravar suas canções na casa da família de um dos integrantes do grupo. “Queremos aquele som sujo, longe de ser perfeito. Eu detesto música feita por computador”, diz o baixista Robin Adeström. A técnica de gravação é simples e as letras, inocentes. Uma delas fala sobre uma garota de longos cabelos pretos e lábios vermelhos. E, é claro, sobre rock’n’roll, festa à noite toda, amor de verdade e carros velozes.
Porta-voz Andreas Östlund, vocalista da banda rockabilly Little Andrew and the Rhythm Boys
Saudade do Glamour
Não é preciso ficar muitas horas em Enviken para se ter a impressão de que seus habitantes gostariam de viver no passado. Por isso é de surpreender quando Josefin Jonsson, filha do produtor da banda Little Andrew and the Rhythm Boys, diz o contrário. Ela é uma DJ rockabilly, só se veste com roupas vintage e cada centímetro de seu apartamento tem lembranças daquela época, como as fotos nas paredes de garotas pin-up e de Audrey Hepburn. “Os anos 50 foram um período muito sexista. Eu não poderia ter sido DJ naquela época. Mas adoro a estética. Tudo parecia bonito. E gosto do glamour que cercava as estrelas de cinema.”
A assistente de enfermagem Ulrika Dotzsky também sempre amou a década. “Isso é uma afinidade entre as pessoas daqui. Eu nasci nos anos 60, mas meus pais sempre falavam sobre essa época. Havia grandes esperanças para o futuro depois da guerra e a sociedade se desenvolvia rapidamente.” Ulrika parece arrancada dos anos 50 direto para 2010. Seu visual quase sempre inclui meias finas e corset, o que confere aquela feminilidade típica da moda dos anos dourados. Outras peças para compor seu ar retrô são a saia florida, uma blusa rosa com um casaquinho, além de luvas e chapéu. Ulrika é, provavelmente, a maior fã de Little Andrew and the Rhythm Boys. Sua filha está namorando o guitarrista, Viktor, e elas costumam ir juntas aos shows. O caminho até as apresentações transforma-se num acontecimento: como em um filme antigo, elas sobem num espetacular Ford Mercury 1959, que parece novo, e seguem pela estrada da floresta que cerca Enviken.
A década inesquecível
Com o fim da Segunda Guerra, os anos 50 trouxeram paz e bonança depois do horror. por isso são chamados de Anos Dourados
Sociedade Com o pós-guerra, as taxas de natalidade cresceram. Essa geração ficou conhecida como baby boomers.
Estética Vestidos com cintura marcada, saltos altos e acessórios como luvas, óculos escuros e colares de pérolas. No rosto, rímel e o indispensável delineador. Coques e rabos de cavalo eram os penteados do momento. Os anos 50 foram a década da feminilidade.
Moda Na Europa, a alta-costura festejava seu sucesso. Paris era o centro desse mundo, com nomes como Cristobal Balenciaga, Hubert de Givenchy e Chanel. Nos Estados Unidos, os americanos investiam no ready-to-wear, a moda produzida em escala industrial.
Cinema As atrizes encarnavam a feminilidade que as mulheres comuns tentavam incorporar ao seu dia a dia. Havia principalmente dois padrões: as pin-ups e as divas sensuais, como Marilyn Monroe, ou o tipo meigo de Grace Kelly e Audrey Hepburn. Entre os galãs, os bad boys James Dean e Marlon Brando dilaceravam corações.
Música O rockabilly, que mistura elementos do rock e do country, e o rock’n’roll nasceram nos anos 50. Bill Halley fez sucesso antes de Elvis. Depois seu rebolado ousado roubou a cena.
Mídia e tecnologia Foi nessa década que os aparelhos de TV se popularizaram, assim como os eletrodomésticos. As donas de casa da classe média agora limpavam a casa com um aspirador de pó e lavavam a roupa numa máquina.
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