Elvis é e sempre será o Rei. Que falem os chatos de galocha (e hoje precisa mesmo de galocha com essa chuva), mas o cara sempre será O Cara. Minhas singelas homenagens a esse que nos inspira todo dia, seja na sua fase jovem, seja na sua fase cafona. E vale lembrar: todos nós ficaremos velhos e cafonas um dia!
Essa matéria abaixo, copiei da revista Bizz especial dos 75 anos do grande brother Elvis, que saiu ano passado. Enjoy!
A FORMA HUMANA DO ROCK´N ROLL
POR WAGNER GUTIERREZ BARREIRA
ELVIS PRESLEY não inventou o rock´n roll. Síntese da country music, do rhythm and blues e do gospel, a soma desses ritmos estava presente em Chuck Berry, Little Richards e até em Bill Halley. Elvis materializou o rock, com suas costeletas, seu cabelo comprido emplastrado em brilhantina, suas roupas estranhas. A dança sensual nas apresentações, que lhe valeram o apelido de Pelvis, as frases de efeito no começo da carreira (“para que comprar uma vaca se posso tomar leite atravessando a cerca?”, disparou, sobre sexo e casamento), a poderosa voz de barítono e sua beleza o transformaram no artista que, nas palavras de John Rockwell, do New York Times, “os pais abominavam, as garotas adoravam e os rapazes imediatamente copiavam”.
Alguns historiadores definem o rock´n roll como uma maneira de se referir ao rhythm and blues cantado por brancos. A primeira gravação reconhecida como rock´n roll é Rocket 88, de Jackie Brenston e os Delta Cats, de 1951. No mesmo ano o termo foi criado pelo DJ Alan Freed em seu programa de rádio, depois de tocar canções de Bill Halley e seus Cometas, que já faziam sucesso com Crazy Man Crazy e Rock Around The Clock antes de Elvis. Mas se a música deu a volta ao mundo arrastando tudo o que havia antes tem mesmo um rei, seu nome é Elvis Presley, que conseguiu juntar num só estado o lamento da música religiosa, a força da música caipira e a sensualidade do blues, numa embalagem de cantor branco que cantava e rebolava como um negro e vestia roupas estranhas. Hoje parece pouco. Mas na década de 50, de segregação racial e puritanismo sexual, foi uma revolução. “Elvis foi o fundador, maior expoente e a mais apaixonante figura do rock and roll”, cravou o jornal britânico The Guardian no obituário do cantor, em 1977.
O rock´n roll é a forma de arte popular americana que mais se espalhou no planeta. E Elvis, que nunca se apresentou no exterior, fora o Canadá, foi seu primeiro embaixador. Sua música e seus modos influenciaram tudo o que veio depois. Tão ou mais importante, como afirma Adam Victor em The Elvis Encyclopedia, antes de Elvis a música era um negócio de adultos feito para adultos. Depois dele, a música passou a ser feita e consumida por jovens. E isso perdura até hoje. Na área do comportamento, Elvis foi o primeiro a popularizar a música dos negros entre as platéias brancas. E o primeiro a levar o sexo para os palcos, de forma escandalosa com seu rebolado. Até então, os cantores eram contidos ao interpretar. Elvis simulava o ato sexual com seu violão. Funcionava como catalisador de um fenômeno que tomou os Estados Unidos na década de 50: o baby boom. Pela primeira vez desde os anos 20, a juventude americana não estava deprimida por uma crise econômica nem alistada para guerrear. Foi um período de bonança econômica e os jovens tinham dinheiro para comprar discos, ir a shows e ao cinema. Na mesma época, estourou no país a delinqüência juvenil. A face cinematográfica era a de Marlon Brando e a de James Dean (Elvis assistiu Juventude Transviada mais de 40 vezes). Na música, encarnava a insatisfação com seu rebolado e o desprezo pelos valores dos mais velhos. Ele estava no lugar certo, na hora certa e cantava a música certa: era a coisa mais perigosa para a civilização ocidental desde a explosão da bomba atômica, para ficar na expressão de um jornalista britânico. Seu topete foi celebrado certa vez como “o mais icônico estilo de cabelo masculino de todos os tempos”.
“Em 1956, quando Elvis estourava em cada rádio do país, a noção dos jovens americanos sobre independência – dos pais, da religião, dos valores de seu tempo – foram moldados. Elvis se tornou o rei do rock´n roll, mas também desta emergente cultura jovem”, escreveu Larry Rohter no Washington Post. Rohter, anos mais tarde, seria um incômodo correspondente do New York Times no Brasil. Elvis foi a primeira celebridade musical a utilizar a televisão par ampliar a sua popularidade. E para se apreciar inteiramente Elvis não era suficiente ouvir a sua voz. Também era preciso acompanhar seu requebrado.
Mas o que Elvis tinha de mais escandaloso era ele mesmo. No início da carreira, em toda entrevista algum repórter perguntava alguma coisa sobre seu topete ou costeletas – vistas por muitos como um claro sinal de depravação e perigo moral. Em 1955, durante uma apresentação em Jacksonville, na Flórida, saiu do palco quase pelado: as fãs queriam guardar como recordação pelo menos um fiapo de sua roupa.
Quando voltou á cidade, no ano seguinte, o reverendo Robert Gray disparou um sermão em que acusava as moças de se instalarem no degrau baixo de espiritualidade degenerada. “Se oferecerem a ele a salvação esta noite”, afirmou Gray, “ele provavelmente dirá ‘não, obrigado’”. Em seguida, pediu a todos que abaixassem a cabeça e rezassem pela redenção de Elvis. O juiz de Jacksonville, Marion Gooding, tentou prender o cantor por obscenidade. Elvis se encontrou com o magistrado e prometeu se comportar. No show daquela noite não mexeu os quadris. Mas balançava sugestivamente os dedos enquanto dançava. Os pais de suas fãs enchiam jornais com cartas contra o que consideravam vulgar e imoral no cantor – em vão. O que talvez os pais não soubessem, ou preferiam não saber, era que as meninas é que enlouqueciam por Elvis. Arrancavam suas roupas, arranhavam sua pele – e isso continuou até os últimos shows do cantor. O maior inimigo de Elvis, à época, era a Legião da Decência. Uma organização católica autonomeada guardiã da moralidade e dos valores cristãos, fundada em 1933.
A crítica na década de 50 também não gostava do rapaz. Jack Gould, ao comentar a participação do astro num programa de TV para o New York Times, o tratou como um iniciante de árias de chuveiro. “O senhor Presley não tem nenhuma habilidade musical conhecida. Sua especialidade são canções ritmadas que ele acompanha com um gemido; para os ouvidos ele é uma chatura”. Ninguém se importou. “Ele foi repetidamente tratado como vulgar, incompetente e má influência, mas a força de sua música e de sua imagem não era mero merchandising”, cravou a Rolling Stone, na biografia do cantor no site da revista. E justifica com números da carreira sem paralelo do cantor. Acredita-se que ele tenha vendido mais de 1 bilhão de discos, 40% desse volume só nos Estados Unidos. A associação americana da indústria fonográfica o premiou com o maior número de discos de ouro, platina e multiplatina do que qualquer outro artista na história. Em 2001 eram 131 premiações. Na Billboard também ninguém chegou perto: emplacou 18 vezes como disco mais vendido na lista da revista. E freqüentou suas paradas de sucesso em 149 ocasiões diferentes.
Elvis sobreviveu ao que os americanos chamam de “invasão britânica”: a força criativa que modelou os Beatles e os Rolling Stones e passou a comandar o mundo do rock. Seu empresário direcionou sua carreira para o cinema e para os estúdios depois que o astro voltou do serviço militar. Mas em 1968, um ano em que o mundo pareceu entrar em parafuso, com Jimmy Hendrix, Janis Joplin, o assassinato de Robert Kennedy e Martin Luther King, com as revoltas estudantis pipocando pelo planeta, ele conseguiu dar a volta por cima – e em cima do palco. Por uma hora, num especial da rede de televisão NBC chamado Comeback, um Elvis todo vestido de couro mostrou que ainda podia incendiar a música americana. Seu público havia mudado, as fãs estavam mais velhas, como ele. Mas a força de sua voz e de suas performances permaneceu. Em 1972, o concerto Aloha From Hawaii foi acompanhado por 1 bilhão de espectadores. Daí em diante, até 1977, o ano de sua morte, não sobrava ingresso para nenhum de seus shows. Ok, o rock´n roll virulento e original deu lugar a baladas românticas. Mas isso já não era importante. No ano 2000, a rede CNN fez uma pesquisa sobre os gostos dos americanos. Descobriu que 45% da população, quase metade do país, considerava-se fã de Elvis Presley. Graceland, em Memphis, é a segunda residência mais visitada nos Estados Unidos – só perde para a Casa Branca. Desde que se tornou famoso, nos anos 50, apareceu o hábito das fãs ficarem diante dos portões de sua casa. Tal atitude permanece até hoje.