segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DO BLUES POR ROBERT CRUMB

Procurava um assunto para a retomada do blog, que ficou parado uma quinzena por motivos pessoais. Como é fim de ano, vamos a uma lição de moral boba, como todas as lições de moral, mas que servem para nos fazer prestar atenção nas coisas bobas, mas sérias, da vida.

Comprei recentemente o livro BLUES de Robert Crumb. Há muito tempo queria ler essa história do blues  em formato HQ, feita por um artista que eu sempre tive por totalmente desajustado que ,junto com a cultura beat, influenciou toda a pop culture norte-americana nos anos 70. O preço sempre desanimou, andava pelos R$ 50, mas consegui comprar por R$ 10 na Submarino.

Crumb escreveu HQs e criou personagens totalmente lisérgicos e pervertidos como Mr. Natural e Fritz the Cat. Ilustrou capas de discos de jazz e blues e até mesmo um da Janis Joplin. Já havia lido sobre sua história com o LSD e, por isso, realmente achava que ele era um cara doidão. Lendo o livro Blues, vi que eu estava totalmente errado. O Crumb-pessoa, ao contrário do Crumb-artista, era "square", quase reacionário, e musicalmente falando, não gostava de nada posterior à década de 30.
Que coisa estranha, quando a gente acha que sabe de alguma coisa e, no final, está totalmente equivocado. Quantas vezes fazemos isso por dia, sem checar as referêncais depois hein? Para não gastar cinquenta reais, levei muitos anos para descobrir que Crumb não um hippie maluco e isso me faz pensar: quantas pessoas mais eu julguei errado, sem me retratar depois? Lição de casa de hoje: não julgue sem conhecer, não condene sem provas, não deifique sem ter certeza!

Agora que você já teve sua lição de moral, vou transcrever um trecho importante do posfácio do Crumb, que nos diz a real sobre quem ele é e nos apresenta o refinado gosto musical desse artista e músico, que tocava mandolin como frontman da banda R. Crumb and His Cheap Suit Serenaders e depois no projeto East River Strings. Próximo passo, para mim: adquirir seu novo livro, Genesis, que é uma versão em HQ do Antigo Testamento da Biblia, exatamente como ela está escrita (com violência, traição, morte e todo o mais) - sem ver o preço, antes de julgar.


CRUMB DESCOBRE O BLUES - "Eu adoro música. No entanto, não sou um grande músico.No máximo, arranho um banjo ou um violão. Para mim a música é o maior dos prazeres, junto com o sexo. Mais do que a arte, admito. É um prazer muito mais imediato, mais sensual. Sempre me interessei pela música dos anos 1920. Quando criança, eu a escutava nos filmes antigos e sempre gostava, não sei bem por quê. Passei a pesquisá-la. Durante minha pré-adolescência, sempre que tinha dinheiro, tentava encontrar discos da música daquela época. Porém, eles não existiam. Comprei um disco de jazz dixieland nos anos 1950 que foi bem decepcionante, porque nem de longe se tratava da mesma coisa. Não era por aí. Comecei a ter contato com os discos de 78 rotações quando tinha cerca de 18 anos. Esses 78 rotações foram uma descoberta fundamental! Eles ficavam largados pelos cantos, ninguém se interessava. Quase todos os nomes das orquestras eram completamente desconhecidos. Armostrong e Duke Ellington eram conhecidos, e parava por aí. O velho jazz negro era tão surpreendente! Não se preocupava com títulos, era preciso se arriscar, comprar o disco e ver o que ele seria. No início, eu não conhecia absolutamente nada e comprei muitos discos ruins. Eu repassava pilhas de velhos discos nas lojas de ofertas e discos usados... "O que é isto?" Nunca se sabe o que se vai encontrar, é uma caça ao tesouro. É uma das coisas que eu queria mostrar em "É a Vida" (obs: uma de suas HQs). Quando adolescente, eu agia como o colecionador da história. Li um livro dos anos 1930 que encontrei na biblioteca da escola. os autores explicavam que, para encontrar os discos, era necessário fazer um porta a porta nos bairros negros. Pensei: "Vou tentar isso!". Devido à minha timidez, fazer algo assim era um desafio., mas fiz. E é claro que as pessoas conservavam esses antigos discos! Era muito excitante, incrível! Não se poderia fazer uma coisa dessas hoje em dia, depois de tanto tempo já passado. Naquela época, as pessoas mais velhas ainda tinhams eus aparelhos de som na sala de visitas, com os antigos discos de blues posicionados sobre o toca-discos! Elas os vendiam bem barato. Para elas, os discos não tinham muito valor. Eles geralmente estavam em mau estado de conservação, desgastados, mas eram raros. Foi dessa maneira que descobri o blues primitivo, que era então totalmente desconhecido, e jamais tocado em rádios ou em qualquer lugar. A antiga música rural, o blues negro e a antiga música country branca eram totalmente desconhecidos, esquecidos. Depois de alguns anos colecionando discos antigos, conheci alguns outros colecionadores. Aqui e ali eu cruzava com algum interessado, mas nada era divulgado ao grande público. Depois, com o "folk revival", começaram a aparecer algumas reedições nos anos 1960. Tornou-se então muito comum entre os estudantes escutar blues antigo. "

OS CONSERVADORES ACELERARAM O BLUES: "Toda essa música antiga foi sendo enterrada debaixo de sucessivas camadas de modas musicais, cada uma sobrepondo a anterior. Essa herança se perdeu, submersa sob a areia do deserto, a exemplo das cidades perdidas. A cultura moderna é assim. Há tamanha pressão para vender as novidades que aquilo que as precede acaba sendo sepultado sem remorso. Não se ganha dinheiro repetindo as mesmas coisas do passado. Existem discos que eu escuto há trinta e cinco, quarenta anos e nunca me canso! Leio tudo que posso encontrar sobre a música daquela época. Continuam saindo livros que abordam aspectos inéditos. Recentemente foi publicado um que descreve todos os lugares de encontro e a fauna que gravitava ao redor dos clubes e salões de dança onde se apresentavam todas as orquestras da época. Ele fala da Chicago dos anos 1920, de todos os grupos conservadores que pensavam que os salões eram antros de iniquidade, corrompendo os jovens para uma vida de bebidas, de libertinagem sexual etc. Esses grupos fiscalizavam permanentemente os salões e clubes. Isso exerceu um impacto sobre a música, influenciando a maneira como passou a ser executada, o ritmo e os tons escolhidos. Eles concluíram que os ritmos rápidos eram os melhores. Durante as sequências de blues lentos, os casais tinham tendência a dançar colados e se esfregar. Já os ritmos rápidos os mantinham afastados, exigindo vigor e rapidez de movimentos. Surpreendente! Esses grupos conservadores designavam todo dia alguém que fiscalizava como as coisas estavam se desenrolando. Em seguida, eles faziam um relatório à prefeitura, aos cuidados da pessoa responsável por conceder licenças de funcionamento desses estabelecimentos, assinalando se havia ocorrido manifestações de mau comportamento, abuso de álcool ou danças lascivas. No fim dos anos 1920, isso começou a prejudicar a música. A prefeitura fechava esses clubes tantas vezes, por causa desses atentados à moral, que muitos deles desistiram de continuar. Entre os que encerraram as atividades estão os "Black and Tan Clubs", onde os frequentadores eram de raças misturadas, tanto negros quanto brancos. Não era raro homens negros dançarem com mulheres brancas, o que não era bem-visto pelos grupos conservadores. Eles realmente se empenharam para conseguir o fechamento desses clubes. Finalmente, no fim dos anos 1920, eles triunfaram. Os donos dos clubes desistiram de mantê-los abertos". (R. Crumb)

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