"Marilyn havia entrado, sem perceber, no país das trevas. Afunda lentamente, drogando-se com venenos lícitos. Pílulas amarelas, azuis, vermelhas, ela engole todas. Barbitúricos, antidepressivos, anfetaminas, coisas das quais sequer sabe o nome. Ela apaga o tempo, periclita por limbos pegajosos, tropeça no banheiro. Sobre algumas overdoses, outras virão. Toda essa química com que se enche tem uma única função: esquecer que há um inferno a ser esquecido. É ela a sua própria carcereira, o seu próprio carrasco, a sua própria vítima. É, no sentido literal da palavra, uma moça perdida. Transa muito, filma pouco, está gangrenada por uma bruma interna. Marilyn, a estrela, se sente ameaçada por Norma Jeane, a pura. O combate é desigual: com origem nas profundezas da infância, uma pesada loucura a devora.
John Kennedy é um garoto que foi criado com a certeza de fazer parte do time dos vencedores e pertencer ao mundo dos senhores. Ele também se impregna de remédios. Um falso médico, Max Jacobson, lhe injeta grandes doses de anfetaminas. Por que não cocaína? É verdade, por que não? JFK já havia experimentado, como mais tarde experimetnaria LSD. Ele tenta ter um nome, se livrar da sombra do pai invasivo e despreza totalmente o restante do mundo. Há o clã Kennedy e, do lado de fora, um exército de adversários, de inimigos, de mercenários que constituem o mundo sensível. As mulheres estão presentes apenas para um alívio relâmpago, a família para montar o cenário e Deus para a galeria. Jack está subindo a ladeira, subindo e se degenerando insidiosamente. O poder suavemente o envenena. Ele não há de escapar.
Marilyn e JFK, duas vidas equivocadas..."
Estou lendo esse romance de François Forestier, chamado "Marilyn e JFK". Na verdade, quase acabando.
O chato de ler uma biografia é que, em 99% das vezes, você já sabe que o mocinho morre e como isso vai acontecer.
Tanto é assim que François Forestier, logo no primeiro capítulo, narra a agonia americana ao ver seu jovem presidente ter a cabeça estourada em praça pública. Não há surpresa, o mocinho vai morrer.
A surpresa, na verdade, é que ele não é o mocinho. O romance expõe mais que os miolos do JFK - ele expõe as vísceras da América do Norte. Baseado em documentos verídicos e depoimentos de pessoas envolvidas com os fatos, Forestier mostra um presidente eleito pelos esforços da Máfia, em meio a uma trama de espionagem, corrupção e sexo desenfreado.
Norma Jeane, ou melhor, Marilyn Monroe, também não é a santa no livro, mas a pecadora. Marilyn pelo menos, tem uma atenuante, ela vem de uma família com vários casos de demência. Sua imoralidade, então, tem sua desculpa na psiquiatria. Seus ataques de estrelismo podem ser perdoados pelas narrativas das situações de pobreza e abandono familiar. De nossa brilhante Marilyn, perdoamos todos os defeitos, até a falta de gosto por higiene pessoal (pois é, está no livro).
Até agora, não vi a romanceada paixão da estrela erótica e o The Prez. Apenas umas transas rápidas. Costumamos acreditar nas histórias mais absurdas, se elas tiverem um pequeno traço de conspiração. Pelo jeito, entre Marilyn e JFK não havia muita conspiração, mas bastante transpiração...
0 comments:
Postar um comentário